Um ‘cheerleader’ do Brasil

No meio de uma pandemia, com políticas de confinamento nas principais cidades do país, fuga de capital internacional, desvalorização cambial e uma perspectiva de aumento da mortalidade pelo Covid-19 e queda cada vez maior na economia, o Brasil foi listado como uma das principais escolhas para investimentos do gestor americano Mark Mobius.

Apesar do pessimismo de analistas de mercado no Brasil, em entrevista à agência de notícias Reuters, Mobius disse que o Brasil faz parte de um grupo de mercados “em plena recuperação”, depois de atingir o fundo do poço.

Além do Brasil, Mobius recomenda investimentos na Índia, na Coreia do Sul e em Taiwan. Segundo ele, investimentos em empresas voltadas ao consumo, empresas de internet e software e educação à distância são a grande promessa no Brasil.

Podia ser um motivo para o Brasil festejar uma melhora em sua reputação internacional, não fosse a fonte de tanto otimismo.

O gestor americano aparece há anos na imprensa internacional como um dos maiores impulsionadores de investimentos no Brasil, quase sempre prevendo uma rápida retomada da economia do país –o que não acontece há quase uma década. Ele é quase um “cheerleader” de investimentos no Brasil mesmo em meio a grandes crises.

Conhecido como um veterano dos investimentos internacionais, chamado de “guru dos emergentes”, Mobius atuou até 2018 na Franklin Templeton, e agora trabalha na firma que leva seu nome: Mobius Capital Partners, que administra US$ 130 milhões, segundo a Reuters.

Um dos pontos centrais da avaliação dele ao longo dos últimos anos é que o Brasil já atingiu um patamar negativo, e que vai se recuperar rapidamente.

A ideia de que o Brasil havia chegado ao fundo do poço já aparecia na defesa que Mobius faz dos investimentos no Brasil cinco anos atrás.

Em 2015, quando ainda começava a maior recessão já registrada no país, Mobius deu uma entrevista ao Wall Street Journal alegando que aquela era a “hora de olhar para o Brasil”

Alguns meses depois, em 2016, quando cresciam as discussões sobre um possível impeachment de Dilma Rousseff, Mobius diminuiu um pouco o tom em uma entrevista à Folha de S.Paulo. Ele apontou a possibilidade de mudança da política econômica se houvesse uma mudança no governo, mas dizia exagerado o otimismo do mercado internacional com a saída do PT do poder.

Pouco depois do impeachment, Mobius voltou a falar sobre investimentos no Brasil. Em entrevista à Forbes, ele assumiu novamente o tom otimista em relação ao governo de Temer. Além de acreditar na valorização dos investimentos, ele defendeu à época a manutenção de programas sociais e da Lava Jato sob o novo governo.

Em fevereiro de 2017, uma nova avaliação otimista. Em palestra no país (com repercussão no Wall Street Journal), Mobius previu uma “recuperação rápida” do Brasil, com possível crescimento de 5% da economia do país em 2018 (o crescimento real acabou sendo de pouco mais de 1%).

Alguns meses depois, em meio a uma onda de otimismo do mercado internacional com o governo Temer, Mobius voltou a falar à Forbes. Ele alegou que o Brasil estava “no caminho para o crescimento”.

E ainda em 2017, Mobius deu uma nova entrevista à Reuters defendendo a Lava Jato e prevendo o crescimento de até 50% dos investimentos no Brasil.

Uma das poucas vezes em que Mobius se mostrou menos otimista em relação ao Brasil foi pouco antes da eleição de 2018, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda aparecia à frente das pesquisas de intenção de voto. Na época, ele se dizia preocupado com a possível redução do ritmo de reformas econômicas iniciadas por Michel Temer.

Mas ele logo voltou ao otimismo com a eleição de Jair Bolsonaro. Em uma entrevista à agência Bloomberg em 2019, Mobius defendeu que o novo líder do país seria um ótimo presidente. Ele alegou que aumentaria seus investimentos no país. “A direção do Brasil é muito boa”, disse.

Os motivos para o otimismo de Mobius em relação ao Brasil em momentos de crise não são exatamente um segredo. Na entrevista à Folha em 2016, e em outras falas públicas, ele explicou que os investimentos dele rendem mais em situações de caos e incerteza.

“A melhor estratégia de investimento é comprar quando as condições são incertas e negativas, e quando os demais estão segurando e com medo de comprar. Por essa razão, faz mais sentido esperar por momentos de reversão desse otimismo todo. Se olhar as perspectivas de longo prazo, digamos de três para cinco anos, então essa volatilidade de curto prazo deixa de ser tão importante”, disse à Folha.

O problema é acreditar nesse otimismo dele em meio a crises e achar que isso indica uma possível recuperação real da economia brasileira. De fato pode até haver oportunidades para investimentos na crise atual, mas a pandemia deve criar uma crise econômica global, e os investidores estrangeiros parecem não sentir tanta atração pelo Brasil de hoje. Mais do que isso, a crise para a maioria da população brasileira ainda não tem uma previsão de acabar, e pode marcar profundamente o país.

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