A imagem do Brasil de Bolsonaro na China: Um país pouco sério e cópia de Trump nos EUA

O calor do noticiário sobre a pandemia de Covid-19 e as crises diplomáticas entre Brasil e China acabou ofuscando um dos pontos mais interessantes de uma entrevista recente com especialistas em China publicada pela BBC News Brasil.

Enquanto o foco da reportagem ficou sobre os assuntos obviamente importantes no momento, como a geopolítica global e as relações entre os dois países, foi possível entender melhor como a China vê o Brasil de Jair Bolsonaro –tema que é central para a minha pesquisa acadêmica sobre percepções externas a respeito do Brasil.

O Brasil é um país pouco conhecido na China, e o governo atual é visto como uma cópia do que Donald Trump faz nos Estados Unidos, mas com menos seriedade

A avaliação ficou evidente na entrevista que fiz com Júlia Rosa, Jordy Pasa e Lívia Machado Costa, cofundadores da plataforma Shūmiàn, que produz conteúdo analítico em português e em espanhol sobre a China. A reportagem completa foi publicada na BBC News Brasil com o título: “Aderir a discurso anti-China na pandemia põe Brasil em posição vulnerável, veem analistas”

Selecionei abaixo alguns trechos da entrevista com os três em que falam mais especificamente sobre esta questão da percepção chinesa a respeito do Brasil.

Júlia Rosa – Na época das eleições surgiu a repetição do discurso do ‘Trump dos trópicos’, mas se a China é pouco conhecida no Brasil pelo cidadão médio, o Brasil é igualmente pouco conhecido na China. Os dois países se baseiam muito nos estereótipos existentes e existe muito ainda a ser percorrido no âmbito de conhecimento de história, política e cultura chinesa –e brasileira, lá. No âmbito de estudos China-América Latina, houve uma preocupação com possível hostilidade do governo, já que o Brasil é um parceiro comercial importante e uma porta de entrada para a região como um todo. Acredito que a tranquilidade ao governo chinês se deu pela antiga e consolidada relação com o agronegócio brasileiro, que tem grande influência no Congresso e no Planalto.   

Jordy Pasa – Por trás das hostilidades entre chineses e estadunidenses há um contexto maior de disputa por hegemonia global, seja ela militar, econômica ou tecnológica, que obviamente não existe quando olhamos para o caso brasileiro. Não somos lidos com o mesmo nível de seriedade por Pequim, o que, a depender da situação, pode funcionar contra ou a nosso favor. Por um lado, retaliações mais graves são pouco prováveis, se engajar em um conflito com o Brasil está muito longe do radar chinês. Por outro, somos alvos mais vulneráveis, e logo menos capazes de se defender caso o atual desconforto entre os dois países se agrave.

Lívia Machado Costa – O atual posicionamento diplomático brasileiro em relação à China tem sido, por ora, subserviente à postura dos Estados Unidos, ou seja, instável e aquém do histórico positivo das relações sino-brasileiras e do potencial do Brasil no Sul global. No entanto, em parte devido a essa mudança de trajetória, há uma ascensão da paradiplomacia brasileira em campo, com governos estaduais abrindo escritórios comerciais em cidades estratégicas na China e criando trocas mais positivas entre as duas nações. 

Júlia Rosa – Acho fascinante como há uma construção de linguagem e resposta igual à de Trump e apoiadores. As frases, os memes e até as hashtags muitas vezes são apenas versões traduzidas do que já estava circulando na internet estadunidense. É um reflexo muito significativo do nosso alinhamento ideológico enquanto governo e de certos grupos da sociedade.

Lívia Machado Costa – É alarmante que um país como o Brasil esteja fazendo declarações desse nível à China, e o corpo diplomático chinês tem sido vocal em relação a isso. Contudo, a postura brasileira parece ser recebida como uma falta de agenda própria em relação à China, e mais como um satélite dos Estados Unidos. Quem perde somos nós, abdicando por falta de assertividade de nosso potencial no Sul global e deterioramento da parceria estratégica com a China.

Pergunta – Os atritos diplomáticos entre o governo Bolsonaro e a China chegam a repercutir de alguma forma na China?

Júlia Rosa – Não de forma significativa ou para além do corpo diplomático ou governamental. Primeiro que o país ainda está muito centrado em si e na sua recuperação, luto e toda a bagagem que veio desses dois últimos meses. Em segundo lugar, o discurso do deputado e esses atritos são um “copia e cola” do que está sendo dito por Trump e seus apoiadores. No fim das contas, as reações acabam sendo direcionadas ao governo estadunidense. Nesse quesito, a repercussão é majoritariamente negativa. A diferença é que os EUA é um parceiro muito mais importante para a China do que o Brasil. Então, por enquanto estamos dando sorte que não somos tão populares.

Lívia Machado Costa – Os atritos não ganham força entre o público chinês, apesar de as recentes declarações do ministro Weintraub terem sido tratadas pela mídia chinesa. Na internet chinesa, as menções ao Brasil estão mais relacionadas à resposta ao Covid-19, com destaque às assimetrias entre governos estaduais e federal e as declarações de Bolsonaro dizendo se tratar apenas de uma “gripezinha”. O “Trump dos trópicos” como Bolsonaro é descrito na China, tem sido mencionado como um agente passivo durante a pandemia. Surpreende o público chinês um chefe de Estado não tratar a emergência do Covid-19 com maior assertividade.

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