Artigo publicado na edição impressa da revista Problemas Brasileiros de de outubro e novembro de 2020 resume o ponto central do artigo acadêmico “A Country on the Fence”, publicado pela Revista Brasileira de Política Internacional.

Artigo publicado na edição impressa da revista Problemas Brasileiros de de outubro e novembro de 2020 resume o ponto central do artigo acadêmico “A Country on the Fence”, publicado pela Revista Brasileira de Política Internacional.
Comentário no quadro A Cara do Brasil, da rádio CBN, em 13 de setembro de 2020. Parte da análise apresentada no artigo acadêmico que fala sobre a percepção de que o Brasil fica “em cima do muro”, e mostra que com o atual governo isso parece ter mudado. O país se alinhou aos EUA, saiu de cima do muro, mas também abriu mão do seu protagonismo internacional.
A Revista Brasileira de Política Internacional (RBPI) publicou em sua edição mais recente um artigo acadêmico em que apresento parte dos dados da minha pesquisa de doutorado pelo Brazil Institute do King’s College London, discuto a arcabouço teórico usado na minha tese e apresento parte da metodologia usada na análise de dados.
A ideia central do artigo é entender o caráter intersubjetivo do status em relações internacionais e mostrar que a percepção do prestígio do Brasil a partir da ótica britânica é de um país que está sempre em cima do muro, que não tem uma agenda de política externa clara e que se equivoca na interpretação do lugar que ocupa na hierarquia global e do seu papel no mundo.
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Assista abaixo a um vídeo em que o artigo é apresentado
O trabalho parte da ideia de que o Brasil historicamente sempre buscou promover sua imagem internacional e conquistar um status de país importante nas relações exteriores, a exemplo da tentativa de se tornar membro permanente do Conselho de Segurança da ONU –mas que isso não parece alinhado ao que países com mais força global esperam do Brasil.
O problema é que o status do país e o papel que ele desempenha do mundo depende do que as outras nações pensam sobre o país de que se trata. Então se torna fundamental entender essa percepção externa para saber mais sobre esse status.
A revista Mundorama publicou uma entrevista sobre as contribuições acadêmicas do estudo
Este artigo busca trazer duas contribuições importantes para a pesquisa acadêmica de relações internacionais e sobre o Brasil.
Por um lado, faz uma avaliação do status do Brasil a partir do ponto de vista de observadores estrangeiros, do Reino Unido. Isso traz à luz um entendimento sobre o que se pensa de fora a respeito do que o país está tentando fazer em sua política internacional.
Uma segunda contribuição acadêmica tem um enfoque mais teórico e metodológico. O artigo foi construído sobre a análise temática reflexiva de seis entrevistas com diplomatas britânicos que serviram no Brasil, e assim tem um enfoque na análise qualitativa do caráter intersubjetivo de status.
Isso é importante porque os principais estudos sobre status desde Max Weber apontam para o fato de que status sempre depende do que um ator faz e de como um ou mais atores externos interpretam o primeiro. Portanto o status de uma nação depende dessa percepção externa de todos os atores externos.
Só que até o momento os principais estudos sobre status em relações internacionais ou avaliam apenas as estratégias usadas por países para tentar melhorar seu prestígio, ou usam abordagens quantitativas baseadas em números de embaixadas entre os estados.
O meu artigo busca preencher esta lacuna no conhecimento sobre status em relações internacionais ao usar uma abordagem qualitativa e com foco na intersubjetividade.
Os dados das entrevistas sobre a percepção externa do Brasil também são muito interessantes e servem para ajudar a preencher a lacuna no entendimento sobre o status do Brasil. Eles mostram que por mais que o Brasil tente melhorar seu prestígio há muitas décadas, não há um entendimento muito claro sobre o status internacional do país.
A percepção dos diplomatas britânicos é de que o Brasil é um país que tem muito potencial, mas que não alcança tudo o que pode em relações internacionais, e parte disso é por falta de uma estratégia clara para promover os interesses do país. Essa falta de estratégia está associada a essa ideia de que o Brasil está sempre em cima do muro –on the fence, como diz o título do artigo. O Brasil frequentemente alega neutralidade, e com isso acaba não se alinhando a nenhum lado em disputas internacionais, parecendo aos britânicos não querer se comprometer..
A partir dessa percepção britânica, portanto, essa imagem de ambivalência política do Brasil em relações globais pode ser um empecilho na busca por mais status internacional para o país.
É claro que essa avaliação do caráter intersubjetivo de status tem suas próprias limitações, Mas este é um primeiro passo importante para conhecer mais sobre esta percepção externa sobre o lugar e o papel do Brasil no mundo.
Comentário no quadro A Cara do Brasil, da rádio CBN, em 19 de julho de 2020 tratou da queda da popularidade de Donald Trump, que pode ser ruim para o governo Bolsonaro. A ascensão de Joe Biden em pesquisas de intenção de voto ligou o alerta para a diplomacia do Brasil.
O Brasil nunca foi exatamente uma potência hegemônica na América Latina. Por mais que seja reconhecidamente o maior, mais forte e mais rico da região, o país sempre teve uma relação complicada com o resto do continente, exercendo o que poderia no máximo ser chamado de liderança tênue, pouco significativa. Nada disso se compara ao momento atual, entretanto, quando a propagação do novo coronavírus na maior nação latino-americana faz com que o Brasil seja visto por seus vizinhos como uma ameaça à saúde pública regional. O Brasil virou “o doente da América Latina”.
A descrição surge de uma analogia à expressão “the sick man of Europe”, tradicionalmente usada desde o século XIX para se referir a países da região que enfrentam graves crises econômicas. Em meio a uma pandemia, a ideia de “doente” ganha novos significados, e passa a representar uma nação que realmente enfrenta problemas de saúde… E que pode contaminar seus vizinhos.
Isso fica evidente na crescente cobertura que a imprensa estrangeira tem feito sobre os riscos que a falta de controle do vírus no Brasil representam para a região.
Segundo a Associated Press, “o aumento praticamente descontrolado de casos de Covid-19 no Brasil está gerando medo de que trabalhadores da construção civil, caminhoneiros e turistas do maior país da América Latina espalhem a doença para os países vizinhos que estão fazendo um trabalho melhor no controle do coronavírus”.
Uma reportagem publicada pela BBC News Brasil resumiu assim a situação: “Com mais de 11 mil mortes por coronavírus e a maior taxa de letalidade por covid-19 na América do Sul, o Brasil virou motivo de grande preocupação e temor nos países vizinhos — levando aliados do presidente Jair Bolsonaro a colocar a afinidade política de lado e adversários na região a intensificar suas críticas ao líder brasileiro.”
A resposta frágil do governo brasileiro à pandemia e o aumento exponencial do número de vítimas no país ameaçam enfraquecer ainda mais os laços do Brasil com a região.
Isso está acontecendo apesar de o ministro das Relações Exteriores, em sua resposta raivosa a ex-chanceleres que criticaram a atuação do governo de Jair Bolsonaro na esfera internacional, ter alegado que “fizemos mais pela integração latino-americana do que volumes e volumes de discurseira integracionista”.
Este novo (pior) status do Brasil na região tende a ser problemático para negociações futuras e para a tentativa de integrar a América Latina e tentar ser o líder dessa parte do continente (o que traria mais status global). Ainda assim, como mencionado no início deste artigo, não significa que o Brasil já tenha tido algum tipo de hegemonia regional.
Parte disso vem de uma questão de identidade. Como o acadêmico britânico Leslie Bethell defendeu em um importante artigo de 2010, historicamente, o Brasil nunca foi considerado parte da América Latina –nem pelas elites brasileiras nem pelas elites do resto da região. E foi só depois do fim da Guerra Fria que ele começou a tentar ter um maior engajamento com o continente.
Bethell (que foi meu professor no King’s College London durante o mestrado) alega que intelectuais brasileiros tinham consciência do passado comum com o restante do continente, mas se viam separados pela geografia, pela história, pela economia, pela formação da sociedade e especialmente pelo idioma, pela cultura e pelas instituições políticas. Este distanciamento, portanto, pode ter dificultado na construção de uma liderança regional pelo Brasil.
Outra parte da dificuldade em assumir a liderança na região vem de uma postura historicamente complicada do Brasil em relação aos vizinhos. Desde pelo menos o início do século XIX, o Brasil assumiu uma postura de superioridade em relação ao restante da região, o que só ganhou força depois da independência.
Segundo Ron Seckinger, Dom Pedro I e os brasileiros acreditavam que o “Império” seria uma potência proeminente na região e tentavam projetar desde então uma imagem nacional de superioridade do Brasil por conta das suas instituições monárquicas, seu território, sua população e seus recursos naturais.
Outro forte argumento sobre a dificuldade em ser a principal potência regional foi apresentado no ano seguinte pelo pesquisador argentino Andrès Malamud em um artigo acadêmico. Segundo ele, uma forte divergência entre as performances do Brasil em escala regional e global faziam com que o país se consolidasse na América Latina como “um líder sem seguidores”.
Uma evidência disso é que os países da região não assumiram uma postura de defesa do Brasil em sua tentativa de assumir papéis importantes em instituições internacionais. Este é o caso, por exemplo do fracasso da tentativa brasileira de tornar o país um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU (CSNU).
A dissertação de mestrado defendida por Mariana Bezerra Moraes de Araújo na Universidade do Minho, em Portugal, em 2011, também comprova isso. A pesquisadora analisou a cobertura que a mídia internacional fez da candidatura brasileira ao CSNU, e mostrou que jornais da Argentina e do México foram os mais ativos na rejeição a este papel de liderança do Brasil.
Não faltam evidências históricas e políticas dessa relação problemática do Brasil com a América Latina, portanto. Mas o fato de não ser reconhecido como líder não siginificava uma preocupação direta com a relação com o Brasil. O comportamento pacífico do país desde a Guerra do Paraguai pode ter ajudado a fazer com que o país não fosse visto como uma ameaça à segurança da região.
A ideia de ameaça aparece agora, entretanto, em meio à pandemia, com o alerta em relação a um possível risco do país à saúde dos vizinhos. Incapaz de combater o novo coronavírus e de proteger sua própria população, o Brasil ganha uma imagem mais negativa, de “doente” na região.