A Cara do Brasil – O exemplo de o que não fazer em uma pandemia

Comentário do quadro A Cara do Brasil, na rádio CBN, em 09 de agosto de 2020.

Analisa a chegada do Brasil à marca de 100 mil mortos pelo novo coronavírus e como o país se consolidou como um exemplo de o que não fazer em uma crise, um símbolo de ações equivocadas no combate à pandemia. Mostra que o país chegou à triste marca por conta de erros na condução de uma política de saúde coordenada, e que atingiu o altíssimo número de vítimas sem uma perspectiva de conseguir reduzir o imhttps://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/311226/no-combate-pandemia-o-brasil-virou-um-exemplo-nao-.htmpacto do covid-19.

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As pessoas no mundo sabem que as coisas não estão bem no Brasil

O Brasil vive um momento extremamente difícil para sua percepção internacional, especialmente por conta do retrato geral do país na mídia estrangeira. Para o pesquisador chileno César Jiménez-Martínez, mesmo quem não conhece bem o país e não tem muita noção sobre o que acontece nele sabe que as coisas não vão bem durante a pandemia.

Nesta entrevista, ele fala sobre como a imprensa internacional ajuda a moldar o que se pensa sobre o Brasil no mundo, e sobre como a política equivocada do governo ao lidar com o novo coronavírus ajuda a piorar essa percepção externa. Bolsonaro, ele diz, “prometeu que o Brasil seria respeitado em todo o mundo. Sem dúvida se pode argumentar que esse é um objetivo em que seu governo não cumpriu”.

Professor de Comunicação e Mídia Global na Universidade de Cardiff, no Reino Unido, Jiménez-Martínez é autor do livro recém-lançado Media and the Image of the Nation during Brazil’s 2013 Protests (Palgrave Macmillan), resultado da sua tese de doutorado pela London School of Economics. 

Na obra, ele analisa a relação entre mídia e a imagem do Brasil durante as Jornadas de Junho. Para ele, os protestos nacionais daquele ano se consolidaram como o fim da narrativa internacional de que o Brasil estava em ascensão.

Leia abaixo a entrevista completa

Pergunta – O Brasil foi recentemente classificado como epicentro da pandemia do novo coronavírus, os EUA bloquearam voos do país e uma imagem muito negativa foi retratada na mídia estrangeira. O que você acha do status atual da imagem do Brasil no mundo?

César Jiménez-Martínez – Reluto em falar sobre o Brasil como tendo uma única imagem, como se ela fosse um objeto fixo que, sem problemas, viaja pelo mundo. Eu acho que as imagens nacionais mudam e são relacionais. E a imagem do Brasil mudará dependendo se você fala com um brasilianista, um torcedor de futebol, um jornalista político, um turista ou um investidor. Dito isto, definitivamente este é um momento extremamente difícil para o retrato geral do Brasil na mídia estrangeira, particularmente nos Estados Unidos, Europa Ocidental e América Latina. 

Alguns artigos da imprensa brasileira já abordaram essa questão. Para adicionar a essa conversa, acho muito interessante conversar com pessoas que não sabem muito sobre o Brasil. Mesmo após o impeachment de Dilma Rousseff e durante o governo de Michel Temer, as pessoas que não acompanham as notícias em detalhes tinham a impressão de que o Brasil estava indo bem. Elas não podiam explicar o porquê, mas esse era o sentimento delas. Hoje em dia a situação é diferente. Novamente, elas podem não ser capazes de entrar em detalhes, mas as pessoas sabem que as coisas não estão bem no Brasil. 

É claro que elas estão cientes das ações incorretas na atual crise do Covid-19 no país, mas também veem isso em relação às principais histórias anteriores que retratavam o Brasil –e especificamente as autoridades– em termos negativos, como os incêndios na Amazônia. 

Também se deve levar em consideração que Bolsonaro raramente é retratado isoladamente — ele é frequentemente retratado como outro sintoma da onda populista e nacionalista que se espalhou pelo mundo nos últimos anos e que é prejudicial à democracia.

Pergunta – Seu livro fala sobre a mídia e a imagem do país em 2013. Qual você acha que é a conexão entre a mídia e a imagem do Brasil durante a pandemia? E por que isso é relevante?

César Jiménez-Martínez – É impossível entender a imagem de qualquer nação sem a mídia –e qualquer mídia, não apenas o jornalismo. Filmes, séries de TV, videogames, redes sociais e assim por diante são a base que pessoas de todo o mundo usam para formar suas impressões de um espaço geográfico, um Estado e uma comunidade humana –como a chamada ‘Brasil’– , impressão que pode confirmar ou contradizer suas experiências diretas. 

No caso da pandemia, há coisas diferentes em jogo. A pandemia é a principal notícia global por excelência, com consequências em todos os cantos do planeta. Mas, apesar de seu caráter global, a maneira como foi narrada ainda está dentro do prisma da estrutura nacional. Isso significa que, na cobertura da mídia, as nações estão sendo comparadas em termos de como estão lidando com o coronavírus. Isso é significativo, porque as organizações de mídia estrangeiras, particularmente as da Europa Ocidental e dos Estados Unidos, raramente fazem simples relatos sobre outras nações –elas realmente as avaliam. Além disso, não importa seu nível de desconfiança em relação à mídia, pessoas de diferentes níveis –turistas, investidores, políticos e muitos outros– tomarão decisões sobre o Brasil parcialmente com base no que aparece na mídia.

Pergunta – Bolsonaro argumentou que a imagem negativa de seu governo se deve ao fato de a mídia estrangeira ser “de esquerda”. O que você acha disso? Seu livro argumenta que a mídia estrangeira é explorada para marcar pontos na política doméstica. Como você acha que isso acontece hoje no país?

César Jiménez-Martínez – O que Bolsonaro diz não é correto e deve ser visto em relação aos seus contínuos ataques contra a mídia, algo que a maioria dos populistas faz. 

De fato, uma das críticas mais recentes a ele veio do “Daily Telegraph”, um jornal historicamente conservador no Reino Unido, que apóia o governo Conservador (Boris Johnson costumava escrever para eles) e tem sido um dos principais defensores do Brexit . 

Bolsonaro diz isso para marcar pontos na política doméstica. Essa é uma estratégia típica que os políticos usam em todo o mundo, na qual acusam publicações estrangeiras –não importando os méritos ou críticas em potencial que se possa argumentar– de ‘deturpar’ ou ‘entender mal’ a nação.

Também é significativo que a oposição a Bolsonaro também dependa da mídia estrangeira, usando esta última como uma confirmação de quão ruins são as coisas no Brasil.

A atenção dada ao que a mídia estrangeira diz não é exclusiva do Brasil, mas assume uma importância doméstica diferente ao considerar as aspirações históricas do Brasil de se tornar uma nação respeitada, principalmente aos olhos das grandes potências.

Lembro de como Bolsonaro, em um dos discursos de sua campanha presidencial, prometeu que o Brasil seria respeitado em todo o mundo. Sem dúvida se pode argumentar que esse é um objetivo em que seu governo não cumpriu.

Pergunta – Por outro lado, Bolsonaro tem enfrentado fortes críticas internacionais há muito tempo, e isso não parece mudar o apoio que ele tem. Por que é que?

César Jiménez-Martínez – Isso tem a ver com o fato de que as organizações de mídia estrangeiras têm apenas uma influência limitada nos debates domésticos. É verdade que eles podem abrir novas conversas e às vezes até mudar o debate nacional. Posso pensar, por exemplo, no que o Intercept fez, ou nas infames capas do Economist. No entanto, muitas vezes essas publicações são filtradas pela mídia local, e o que é mostrado depende muito mais das agendas locais. Ao mesmo tempo, o Brasil atualmente experimenta um processo que os cientistas políticos chamaram de ‘guerras culturais’, ‘políticas de identidade’ ou ‘polarização perniciosa’, com pessoas que defendem ferozmente suas posições em vez de se envolverem em debates, independentemente das informações que recebem. Acrescente-se que ainda apenas segmentos específicos da população acessam diretamente a mídia estrangeira, e muitos – e isso não é exclusivo do Brasil – se enquadram no que é chamado de ‘intimidade cultural’, ou seja, criticando os estrangeiros quando expressam uma negativa. opinião do país.

Pergunta – Sua pesquisa foi realizada durante as Jornadas de Junho, em 2013. Olhando para os sete anos passados desde então, qual a relevância desses protestos?

César Jiménez-Martínez – Os protestos de junho de 2013 são um momento crucial para a história recente do Brasil em muitos níveis diferentes. Sua relevância é, por exemplo, evidenciada pelo fato de que as Jornadas de Junho são frequentemente usadas como o padrão contra o qual os surtos subsequentes de agitação social no Brasil foram medidos. Lembro-me de ver comparações com as manifestações exigindo o impeachment de Dilma Rousseff em 2015, as contra a candidatura de Jair Bolsonaro em 2018 e até os protestos de 2019 no Chile. Diferentes autores também argumentaram de forma convincente que as Jornadas de Junho facilitaram a articulação e a visibilidade de vários movimentos de direita que acabaram sendo cruciais para a presidência de Bolsonaro.

Mas também, e isso é significativo para os interessados ​​em estudar a imagem da nação, as Jornadas de Junho marcaram o fim da narrativa dos governos Cardoso-Lula e início de Dilma que mostravam o Brasil como um país que estava finalmente se mudando “da periferia ao centro”.

As próprias Jornadas de Junho não são, obviamente, a única razão pela qual essa narrativa acabou –eventos anteriores e posteriores, incluindo a crise econômica do país, corrupção sistêmica na classe política, impeachment de Dilma Rousseff, o governo extremamente impopular de Michel Temer e o populismo de Bolsonaro (incluindo o manejo inadequado do desmatamento na Amazônia e a recente crise de Covid-19) contribuíram para minar a narrativa de que o Brasil estava finalmente alcançando estabilidade política, econômica e social. 

Isso não significa que não haverá outra narrativa positiva sobre o Brasil. A história mostrou como não é a única vez que o Brasil é visto com olhos otimistas. No entanto, esse seria um processo diferente, distinto daquele iniciado no final dos anos 1990 e até o início dos anos 2010.

A Cara do Brasil – Um país com a cabeça na areia

A tentativa do governo de Jair Bolsonaro de ignorar a pandemia do novo coronavírus já tinha levado o Brasil a ser chamado de um líder da “Aliança do Avestruz”. O termo fazia referência ao mito de que avestruzes enfiam a cabeça na areia para se esconder de problemas e fugir do perigo. Com a decisão de esconder dados oficiais sobre contaminações e mortes no país, o governo parece querer que o Brasil inteiro também mergulhe na ignorância, transformando a todos em avestruzes.

Este foi um dos focos do comentário do domingo (07/6) no quadro A Cara do Brasil, na rádio CBN.

O governo Bolsonaro parece jogar contra si mesmo e contra o país no momento em que escolhe não ser transparente em relação à divulgação dos dados do novo coronavírus. Esconder os dados não vai fazer a epidemia no país acabar e pode causar danos muito graves, como o aumento no número de casos da doença e a exclusão do país dos esforços globais contra o coronavírus.

Também é relevante e negativa a postura do Brasil de seguir a crítica dos Estados Unidos em relação à OMS. O alinhamento ao governo Trump é arriscado em um ano de eleição complicado nos Estados Unidos, que pode levar ao poder um governo diferente e menos favorável ao Brasil de Bolsonaro. Isso indica uma falta de política de Estado no Brasil.

Por outro lado, em sua coluna na Folha desta semana, o pesquisador Mathias Alencastro fala sobre esta aposta do Brasil no alinhamento com Trump, acreditando que o presidente americano pode ser reeleito e impor um regime ainda menos liberal nos EUA, o que poderia favorecer o acirramento político do governo brasileiro.

“Quando o cidadão do Wisconsin ou da Pensilvânia decidir o seu voto, ele também estará arbitrando o destino da democracia brasileira”, diz.

Os anos loucos do Brasil e os danos à imagem do país

A história do Brasil vai registrar o momento atual da política do país sob Jair Bolsonaro em meio à pandemia como “os anos loucos”, um período de “insanidade total”. 

Isso é muito ruim para a projeção internacional e está diretamente relacionado com o momento em que a imagem do país no exterior parece viver uma das suas piores crises da história. Por outro lado, esta falta de sanidade ocorre ao mesmo tempo em que o mundo todo está parecendo viver um surto, então os problemas do Brasil podem ser superados com relativa facilidade.

A avaliação resume uma conversa que tive recentemente com o pesquisador Sean Burges, professor na Carleton University, no Canadá e autor do livro “Brazil in the world: The international relations of a South American giant” (Brasil no mundo: As relações internacionais de um gigante sul-americano, Manchester University Press).  A obra trata dos desafios de diplomacia do Brasil no século 21, quando o país conseguiu expandir sua ação no resto do mundo, mas acabou perdendo força por conta das crises política e econômica.

Acho que quando olharmos para trás daqui a 50 anos, este período vai ser visto como os anos loucos. Quatro anos de insanidade total”, disse.

“De certa forma, é um bom momento para estar vivendo essa loucura no Brasil, pois nada está acontecendo atualmente no resto do mundo. A crise do coronavírus pode ajudar o Brasil nisso, pois nada mais acontece. O máximo que podemos ver é que o Brasil pode perder oportunidades, mas não um dano real ao país”, complementou. 

Por outro lado, é a reação à pandemia que está tendo um impacto mais forte sobre a reputação do governo brasileiro –mais do que do país em si.

Segundo o pesquisador, mais pessoas podem estar vendo o Brasil como o epicentro da doença, e o país pode ter um destaque negativo por isso, mas são poucas as pessoas no resto do mundo que realmente prestam atenção ao Brasil, e elas estão vendo o que está acontecendo na política do país.

O mundo vê Bolsonaro como “uma ameaça à saúde pública”, explicou.

“Há um conhecimento de que o que está acontecendo no Brasil é o resultado deliberado de decisões políticas surpreendentemente horríveis tomadas pelo presidente. O Brasil não é visto exatamente como destinado a ser uma zona de desastre, mas mais como uma terra de oportunidades que não está funcionando muito bem. Ainda há interesse, mas as pessoas pensam que neste momento é melhor evitar o país. Até o Paraguai fechou as fronteiras. Isso diz muito. As pessoas não vão querer ir ao país porque nada foi feito para controlar o coronavírus. Isso vai ter mais impacto do que qualquer coisa que tenha sido feita no front diplomático”, disse.

Burges comentou a carta escrita pelos ex-chanceleres, que acusaram o Ministério das Relações Exteriores de estar agindo contra a Constituição. Na avaliação dele, o dano à imagem do Brasil não deve ser permanente.

“Isso que leva os ex-chanceleres a falar que o governo está destruindo a posição global do Brasil. Não sei se esse é exatamente o caso. Não acho que vai precisar de muito esforço para reparar isso. Pois é simples para os diplomatas e para o próximo ministro das Relações Exteriores, considerando que seja alguém diferente. Ele só precisa dizer: ‘Vejam, o mundo todo ficou louco por cerca de quatro ou cinco anos, e esse foi o nosso caso. Mas estamos de volta’. Porque todas as pessoas continuam lá. As pessoas que podem corrigir os rumos e construir coalizões, que podem se engajar com o mundo, elas continuam lá”, disse. 

Um dos motivos para essa avaliação é a qualidade do serviço diplomático do Brasil, um dos melhores do mundo, segundo analistas estrangeiros. Mesmo no caso de políticas que vão contra a tradição do Itamaraty Burges vê sinal de um trabalho profissional e sério.

“Vemos os diplomatas brasileiros fazendo coisas que nos deixam horrorizados, ou agindo de forma estranha, mas isso é um testemunho do profissionalismo deles. Eles sabem que é loucura, mas a direção política do Ministério de Relações Exteriores, que responde ao povo, ordenou que façam isso. ‘E essa é a nossa política, e o Congresso não se impôs, então vamos fazer o que nos mandaram fazer’. Isso diz muito sobre a integridade profissional dos diplomatas. Pois os diplomatas não devem improvisar suas políticas externas. Aí é que as coisas ficam assustadoras. Eles devem seguir direções. E é isso que eles estão fazendo.”

Burges também rejeita a ideia de que haja uma mudança radical no trabalho do Itamaraty sob Ernesto Araújo. Para ele, a inserção internacional do Brasil historicamente seguiu um modelo em que ou se aproxima dos EUA, ou tenta ser um líder do terceiro mundo, ou tenta trabalhar com instituições multilaterais. E Araújo escolheu se reaproximar dos EUA. 

“Quando olhamos  para a posição do Brasil, ele precisa encontrar uma forma de inserir algo para defender seus interesses internacionalmente e manter sua autonomia. Não acho que ele está abandonando este tema de forma geral, mas ele escolheu uma estratégia para isso que é maluca. Sua ideia de guerras civilizatórias e não se engajar no multilateralismo, acho que vamos ver logo logo que ele estava errado. No nível de política, acho sua interpretação do mundo bizarra.”

Imagem de Bolsonaro é negativa mesmo na imprensa internacional ‘de direita’

Pressionado por uma evidente piora na reputação do Brasil por conta da propagação do novo coronavírus no país, o presidente Jair Bolsonaro disse que sua uma imagem no exterior é ruim porque a imprensa mundial é de “esquerda”.

O argumento é raso, não se sustenta, e vem desde a época da eleição dele. À época, veículos claramente conservadores da imprensa estrangeira, como a revista The Economist e o jornal Financial Times, ambos com forte tendência liberal na economia, foram acusados de serem “comunistas” por seus apoiadores. As duas publicações continuam críticas ao governo brasileiro –e continuam não sendo nada “de esquerda”.

Além disso, Bolsonaro ignora que sua imagem negativa no resto do mundo se constrói desde a eleição e se fortaleceu especialmente com o noticiário ligado à destruição da Amazônia no ano passado. Isso com espaço em praticamente toda a imprensa internacional –de esquerda, de centro e de direita. O mesmo acontece agora, quando o governo nega a gravidade da pandemia enquanto o Brasil se consolida como “epicentro” do contágio de Covid-19.

Uma rápida busca por veículos internacionais “de direita” deixa bem evidente que a imagem negativa do presidente não se deve a uma tendência esquerdista. É o jornalismo bem feito e ligado a fatos que tem exposto uma má reputação do Brasil.

Um exemplo claro é o Wall Street Journal, publicação que pode ser vista como a voz do mercado financeiro nos Estados Unidos (e no mundo), e que é um dos veículos “de direita” que tem dado espaço a uma imagem negativa do Brasil sob Bolsonaro.

O jornal se consolidou desde antes da eleição de 2018 como a publicação internacional mais visivelmente favorável a Bolsonaro, e até publicou um artigo de Mary Anastasia O’Grady no último dia 17 defendendo que Bolsonaro “está certo” em querer que o Brasil deixe de lado a quarentena e volte ao trabalho. Ainda assim, a cobertura jornalística da publicação tem dado espaço a um noticiário mais negativo sobre o Brasil e o presidente.

No dia 19, por exemplo, publicou uma longa reportagem sobre os efeitos do novo coronavírus em enfermeiros do Brasil, e deu espaço a críticas a Bolsonaro, alegando que ele “minimiza a contaminação”.

“Com a doença se espalhando em vilarejos indígenas na Amazônia e em favelas nas cidades brasileiras, alguns governadores e prefeitos adotaram medidas de distanciamento social. Ainda assim, as restrições do Brasil são geralmente mais flexíveis do que as medidas de bloqueio impostas em muitos países europeus e asiáticos e têm um oponente influente: o presidente Jair Bolsonaro, que quer manter a nona maior economia do mundo operando normalmente”, diz o WSJ.

“A posição do presidente sobre a pandemia o colocou em conflito direto com especialistas em doenças infecciosas, incluindo pessoas de seu próprio ministério da saúde e vários governadores”, continua.

“A confusão no Brasil está levando um número crescente de pessoas a ir trabalhar e deixar suas casas, mesmo em comunidades onde os líderes locais têm defendido medidas de distanciamento social.”

O jornal noticiou o bloqueio imposto pelos EUA a viajantes do Brasil, por exemplo.

“O número de casos confirmados de Covid-19 no Brasil e de mortes por doenças causadas pelo novo coronavírus está aumentando rapidamente. O país sul-americano agora é o segundo no mundo em casos confirmados, logo atrás dos EUA, com 347.398 em 23 de maio. Muitos especialistas dizem que o número real é provavelmente muito maior.”

Além da pandemia, o WSJ também noticiou a investigação sobre a possível tentativa de Bolsonaro de interferir na Polícia Federal.

“A Suprema Corte do Brasil causou impacto no presidente Jair Bolsonaro na sexta-feira ao permitir a exibição de um vídeo de uma reunião do gabinete na qual ele parece pedir ao seu então ministro da Justiça que interfira nas investigações criminais de familiares”, diz o jornal.

A rede de TV americana Fox News, veiculo de clara tendência conservadora e frequentemente associada à defesa do presidente Donald Trump, também tem criticado Bolsonaro.

O site da Fox News publicou uma reportagem sobre o editorial da revista de medicina The Lancet, que chamou Bolsonaro de “maior ameaça” ao Brasil por conta da pandemia.

“Bolsonaro subestimou repetidamente a propagação do vírus –que matou mais de 270.000 pessoas em todo o mundo. Recentemente, um jornalista perguntou a ele sobre a rápida disseminação do coronavírus no Brasil, à qual o presidente de extrema direita respondeu: ‘E daí? O que você quer que eu faça?'”, diz a Fox News.

Na semana passada, em uma nova crítica, a rede de TV conservadora dos EUA tratou da postura de Bolsonaro, que ignorou políticas de isolamento social.

“O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, mais uma vez desconsiderou os conselhos de saúde pública em meio à pandemia de coronavírus no domingo para tirar fotos com os manifestantes, enquanto a maior cidade do país em São Paulo luta para manter seu sistema de saúde funcionando com hospitais públicos a 90% da capacidade”, disse.

“Bolsonaro, que recebeu críticas generalizadas no país e no exterior por instar os brasileiros a voltar ao trabalho durante a pandemia, se misturou com apoiadores em uma multidão em Brasília, capital nacional, no domingo. Usando uma máscara e ladeado por ministros e seguranças, ele posou para fotos com pelo menos três crianças pequenas.”

A Fox News também continua destacando o vídeo em que o filho do presidente diz que o exame de Bolsonaro havia dado positivo para o coronavírus –o que o governo negou em seguida.

No Reino Unido, o jornal The Daily Telegraph, que também tem uma linha editorial mais à “direita” também adotou uma postura crítica e mostra uma imagem negativa do governo de Bolsonaro.

“Entre implosão política e um vírus fora de controle, Bolsonaro enfrenta a perspectiva de se tornar conhecido como o homem que quebrou o Brasil”, diz uma reportagem recente.

Segundo o jornal britânico, Bolsonaro adotou um discurso que é “uma mistura de negação e hostilidade. Em um discurso irado, o presidente criticou a ‘histeria’ da imprensa por espalhar o medo e descartou o vírus como uma ‘gripezinha'”.

Esses são só alguns exemplos de veículos de imprensa internacional que claramente não estão alinhados a nenhuma “esquerda”, mas que têm uma linha editorial que crítica o governo brasileiro e mostra uma imagem negativa do país. O problema não está nos mensageiros, mas na mensagem que o presidente está passando ao minimizar a pandemia, rejeitar políticas de isolamento social, não demonstrar apego ao conhecimento, ignorar a ciência e deixar adotar uma postura séria de combate à pandemia. Isso é o que afeta de verdade a imagem internacional do Brasil.

Pandemia e democracia

O trecho abaixo é parte da reportagem “Estudo indica que ditaduras foram mais eficientes do que democracias no combate inicial à Covid-19”, que escrevi e que foi publicada pelo UOL na sexta-feira (22). Foi escrito após assistir a um seminário apresentado pelo pesquisador Gabriel Cepaluni e de uma longa entrevista realizada com ele em seguida.

A propagação do novo coronavírus pelo mundo revelou um cenário controverso para cientistas políticos acostumados a defender as vantagens de regimes democráticos sobre qualquer outra alternativa de governo. Segundo um estudo que avaliou as diferentes respostas aos cem primeiros dias da pandemia em mais de uma centena de países por todo o planeta, regimes autoritários se mostraram mais bem sucedidos do que regimes democráticos no combate inicial à doença.

Apesar de ser uma avaliação surpreendente, a pesquisa revela que, quando o remédio para uma pandemia é o cerceamento de liberdades, um regime político já acostumado a controlar seus cidadãos vai ser mais bem sucedido do que um regime que oferece liberdade à população, explicou o pesquisador Gabriel Cepaluni, professor da Unesp de Franca, em entrevista ao UOL Notícias.

“O resultado principal do estudo é que ditaduras estão sendo mais capazes de reduzir as mortes mais rapidamente do que as democracias”, disse Cepaluni. “Uma característica essencial da ditadura em relação a democracias é que as liberdades civis são coibidas. Nas democracias isso não acontece. Temos liberdade civil, direito à manifestação, direito a formar grupos políticos e várias outras coisas. E uma das principais medidas de combate à pandemia é o isolamento social, que é coibir liberdades civis. Então para um regime democrático que nunca coibiu liberdades civis, isso é uma novidade”, avaliou.

A avaliação foi publicada no mês passado no estudo acadêmico “Political Regimes and Deaths in the Early Stages of the COVID-19 Pandemic” [Regimes políticos e mortes nos primeiros estágios da pandemia de Covid-19]. Ele realizado por Cepaluni em parceria com pesquisadores Michael T. Dorsch e Réka Branyiczki, ambos da Central European University, de Budapeste.

A ideia central é que países com instituições políticas mais democráticas registraram mortes em uma escala per capita maior, e mais rapidamente, do que países menos democráticos.

Pandemia e desigualdade: ‘Se livrar do governo talvez não seja suficiente’

Impactos econômicos por vezes têm disputado a atenção política (especialmente no Brasil) na discussão sobre efeitos imediatos e futuros da pandemia do novo coronavírus. Discute-se a recessão causada pelo confinamento, o empobrecimento da população e até o risco de convulsão social por esses motivos. Para o futuro, fala-se sobre a possível recuperação das finanças, os efeitos políticos da crise retração e, um dos pontos mais interessantes, como isso pode afetar a desigualdade no mundo e no Brasil.

Um dos principais estudiosos do assunto é o historiador Walter Scheidel, professor da Universidade Stanford, nos Estados Unidos — que entrevistei para a BBC News Brasil no início de abril, e que também falou com a Folha nesta semana.

BBC Brasil – Coronavírus: Autor americano aponta potencial da covid-19 para reduzir desigualdade no mundo

Folha – Covid-19 aumentará desigualdade em hora muito infeliz para Brasil, diz historiador

Ele é autor do livro The Great Leveler: Violence and the History of Inequality from the Stone Age to the Twenty-First Century, obra que traça a história da desigualdade social no mundo e analisa as rupturas levaram a sua diminuição. O livro vai ser lançado agora no Brasil pela editora Zahar com o título “Violência e a história da desigualdade”.

A avaliação dele é bem interessante. Por um lado, pandemias ao longo da história tiveram o poder de reduzir desigualdades, mas a Covid-19 não deve ter este efeito imediatamente. Por outro lado, a crise gerada pela propagação do vírus pode mudar o tom da política nacional, criando uma postura mais “progressista” e de esquerda –o oposto do que há hoje em países como o Brasil e os EUA.

Crises muito sérias podem afetar preferências políticas e escolhas políticas. Então, se este evento for severo o suficiente, ele pode alterar as preferências do eleitorado de forma que se mova para uma defesa de um estado de bem-estar social mais forte, impostos mais altos para pagar pelos déficits causados por pacotes de estímulo, mais assistência médica, maior proteção aos trabalhadores”, avaliou na conversa comigo.

Na entrevista publicada agora pela Folha, entretanto, ele é mais pessimista ao analisar a situação do Brasil, e indica que o estrago causado pela pandemia é tão grave que talvez uma guinada para uma visão mais social da economia não seja suficiente para evitar um aumento da desigualdade no país.

O momento para o Brasil e para a América Latina é muito infeliz. A primeira década deste século foi muito positiva, e não apenas para o Brasil. Houve um boom econômico, mudanças políticas que levaram a uma maior distribuição de renda e políticas para a educação. Muitas coisas juntas ocorreram no momento de um boom de demanda da China por commodities.

Isso ajudou a reduzir as desigualdades, mas os problemas começaram a aparecer cedo na década atual, e a tendência de equalização social parou repentinamente. A partir daí houve uma mudança política radical que não chega a surpreender se levarmos em conta o quão profundamente arraigado está o conservadorismo nessas sociedades. Isso talvez fosse até inevitável. E tudo talvez fique ainda pior com a crise em andamento agora.

Eu ficaria bastante pessimista em relação às perspectivas de o Brasil conseguir retomar uma trajetória de diminuição de suas desigualdades como o fez há 10 ou 15 anos. A não ser que, como disse, as coisas fiquem tão ruins que a pressão para mudanças seja muito grande. E apenas se livrar do atual governo talvez não seja o suficiente. Teria de haver um descontentamento muito grande entre os pobres e mesmo na classe média para que algo assim pudesse ocorrer.”

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Abaixo, selecionei alguns trechos da entrevista publicada na BBC News Brasil, em que Scheidel fala sobre possíveis impactos

BBC News Brasil – O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, está indo na contramão de outros políticos do mundo e rejeitando políticas duras de confinamento por conta dos efeitos negativos na economia. Acha que este comportamento pode ter relação com uma tentativa de evitar este tipo de impacto da pandemia na política?

Walter Scheidel – Acho que sim. Vemos isso todas as vezes ao longo da história. A elite entrincheirada não tem interesse nesse tipo de mudança, então sempre há resistência a mudanças trazidas por reformas progressistas. O resultado é determinado em ampla medida por quem vence, por que lado dessa disputa se coloca com mais força. Houve pessoas na Idade Média que tentaram fazer os pobres trabalharem pelos mesmos salários que recebiam antes, apesar de haver apenas metade dos trabalhadores ativos de antes, numa tentativa de coagir as pessoas a continuar no mesmo status quo, o que não era possível. Em outros momentos, isso foi possível, como em situações do feudalismo.

Há diferentes tipos de resposta para este tipo de crise que enfrentamos agora, e vai depender muito do tipo de país em que se vive. É possível que as forças reacionárias do status quo sejam tão fortes que, ao fim da crise, a vida volte ao mesmo sistema que havia antes, mas com mais polarização e desigualdade, o que pode criar instabilidade no longo prazo. Por outro lado, podemos pensar que o outro lado sai com vantagem, e vemos uma mudança de trajetória. Isso está em aberto atualmente, especialmente em países como os Estados Unidos e o Brasil, onde já há muita desigualdade e os interesses entrincheirados são muito poderosos.

Se estivéssemos falando da Suécia, a diferença não seria tão grande, já que já existe um estado de bem-estar social, que deve dar ainda mais apoio à população. Mas em países como os nossos, está tudo muito em aberto e não temos como saber que lado vai vencer. Ainda assim, acredito que as forças progressistas agora têm uma chance maior de serem bem-sucedidas enquanto a crise piora, pois se torna mais fácil eles apresentarem seus argumentos.

BBC News Brasil – O senhor fala sobre os impactos de pandemias em desigualdades, e falou sobre as mudanças de prioridades por conta da propagação do coronavírus. Aqui no Brasil há uma expectativa de que a população mais pobre sofra mais com os efeitos da doença, por conta de uma desigualdade já muito grande. Acha que esse tipo de situação pode ter impactos políticos e econômicos no país?

Walter Scheidel – No curto prazo, sem dúvida isso vai aumentar a polarização, pois vai fazer com que as pessoas se sintam ainda mais alienadas por verem que não são parte do sistema. Se nada mudar, isso pode desestabilizar a sociedade além do que já vemos no Brasil atualmente. Isso ainda pode ser usado por políticos para acelerar mudanças para um lado ou o outro do espectro político dessa polarização. Mas acho que há um potencial para um reforço a políticas progressistas, muito mais do que havia um mês atrás.

BBC Brasil News – Ainda assim, seu livro menciona a América Latina do início do século 21 como um dos principais candidatos para uma equalização sem violência. Olhando para esse movimento, quão importante acha que ele foi e por que acha que ele não foi mais bem sucedido no sentido de diminuir as desigualdades?

Walter Scheidel – É uma questão muito difícil, e tem muita gente tentando entender esse movimento. Aparentemente, foi um progresso muito limitado a um período de cerca de uma década em que o progresso foi alcançado por uma combinação rara de circunstâncias: havia mudança política, havia o resultado de reformas aprovadas nos anos 1990, havia demanda por commodities na China e em outras economias emergentes, havia o resultado de investimentos em educação feitos nos anos 1990. Foi a culminação de fatores que levaram a esse resultado, mas não está claro o quanto esses resultados eram sustentáveis. Além disso, sempre houve forças de reação presentes, que esperavam suas chances de se impor contra esses movimentos, o que vemos claramente no Brasil atualmente, mas também em outros países. Houve uma reação contra isso. Parece que as condições que favoreciam o movimento por menor desigualdade se enfraqueceram, e as forças de reação conseguiram ganhar mais força para lutar contra ela.

A Cara do Brasil – Um país ‘doente’ e isolado

Meu comentário no quadro A Cara do Brasil, na rádio CBN, de 17 de maio de 2020.

Talvez a entrada ao vivo tenha sido pouco menos precisa do que eu gostaria. Reação errática ao Covid-19 faz o Brasil ser visto como “doente” na própria América Latina, e em todo o mundo, e isso vai afetar muito o posicionamento internacional do país.