A história do Brasil vai registrar o momento atual da política do país sob Jair Bolsonaro em meio à pandemia como “os anos loucos”, um período de “insanidade total”.
Isso é muito ruim para a projeção internacional e está diretamente relacionado com o momento em que a imagem do país no exterior parece viver uma das suas piores crises da história. Por outro lado, esta falta de sanidade ocorre ao mesmo tempo em que o mundo todo está parecendo viver um surto, então os problemas do Brasil podem ser superados com relativa facilidade.
A avaliação resume uma conversa que tive recentemente com o pesquisador Sean Burges, professor na Carleton University, no Canadá e autor do livro “Brazil in the world: The international relations of a South American giant” (Brasil no mundo: As relações internacionais de um gigante sul-americano, Manchester University Press). A obra trata dos desafios de diplomacia do Brasil no século 21, quando o país conseguiu expandir sua ação no resto do mundo, mas acabou perdendo força por conta das crises política e econômica.

“Acho que quando olharmos para trás daqui a 50 anos, este período vai ser visto como os anos loucos. Quatro anos de insanidade total”, disse.
“De certa forma, é um bom momento para estar vivendo essa loucura no Brasil, pois nada está acontecendo atualmente no resto do mundo. A crise do coronavírus pode ajudar o Brasil nisso, pois nada mais acontece. O máximo que podemos ver é que o Brasil pode perder oportunidades, mas não um dano real ao país”, complementou.
Por outro lado, é a reação à pandemia que está tendo um impacto mais forte sobre a reputação do governo brasileiro –mais do que do país em si.
Segundo o pesquisador, mais pessoas podem estar vendo o Brasil como o epicentro da doença, e o país pode ter um destaque negativo por isso, mas são poucas as pessoas no resto do mundo que realmente prestam atenção ao Brasil, e elas estão vendo o que está acontecendo na política do país.
O mundo vê Bolsonaro como “uma ameaça à saúde pública”, explicou.
“Há um conhecimento de que o que está acontecendo no Brasil é o resultado deliberado de decisões políticas surpreendentemente horríveis tomadas pelo presidente. O Brasil não é visto exatamente como destinado a ser uma zona de desastre, mas mais como uma terra de oportunidades que não está funcionando muito bem. Ainda há interesse, mas as pessoas pensam que neste momento é melhor evitar o país. Até o Paraguai fechou as fronteiras. Isso diz muito. As pessoas não vão querer ir ao país porque nada foi feito para controlar o coronavírus. Isso vai ter mais impacto do que qualquer coisa que tenha sido feita no front diplomático”, disse.

Burges comentou a carta escrita pelos ex-chanceleres, que acusaram o Ministério das Relações Exteriores de estar agindo contra a Constituição. Na avaliação dele, o dano à imagem do Brasil não deve ser permanente.
“Isso que leva os ex-chanceleres a falar que o governo está destruindo a posição global do Brasil. Não sei se esse é exatamente o caso. Não acho que vai precisar de muito esforço para reparar isso. Pois é simples para os diplomatas e para o próximo ministro das Relações Exteriores, considerando que seja alguém diferente. Ele só precisa dizer: ‘Vejam, o mundo todo ficou louco por cerca de quatro ou cinco anos, e esse foi o nosso caso. Mas estamos de volta’. Porque todas as pessoas continuam lá. As pessoas que podem corrigir os rumos e construir coalizões, que podem se engajar com o mundo, elas continuam lá”, disse.
Um dos motivos para essa avaliação é a qualidade do serviço diplomático do Brasil, um dos melhores do mundo, segundo analistas estrangeiros. Mesmo no caso de políticas que vão contra a tradição do Itamaraty Burges vê sinal de um trabalho profissional e sério.
“Vemos os diplomatas brasileiros fazendo coisas que nos deixam horrorizados, ou agindo de forma estranha, mas isso é um testemunho do profissionalismo deles. Eles sabem que é loucura, mas a direção política do Ministério de Relações Exteriores, que responde ao povo, ordenou que façam isso. ‘E essa é a nossa política, e o Congresso não se impôs, então vamos fazer o que nos mandaram fazer’. Isso diz muito sobre a integridade profissional dos diplomatas. Pois os diplomatas não devem improvisar suas políticas externas. Aí é que as coisas ficam assustadoras. Eles devem seguir direções. E é isso que eles estão fazendo.”
Burges também rejeita a ideia de que haja uma mudança radical no trabalho do Itamaraty sob Ernesto Araújo. Para ele, a inserção internacional do Brasil historicamente seguiu um modelo em que ou se aproxima dos EUA, ou tenta ser um líder do terceiro mundo, ou tenta trabalhar com instituições multilaterais. E Araújo escolheu se reaproximar dos EUA.
“Quando olhamos para a posição do Brasil, ele precisa encontrar uma forma de inserir algo para defender seus interesses internacionalmente e manter sua autonomia. Não acho que ele está abandonando este tema de forma geral, mas ele escolheu uma estratégia para isso que é maluca. Sua ideia de guerras civilizatórias e não se engajar no multilateralismo, acho que vamos ver logo logo que ele estava errado. No nível de política, acho sua interpretação do mundo bizarra.”
Concordo. Com a mudança de governo, o Itamaraty voltará rapidamente ao seu nível tradicional de excelência. Mesmo atualmente, basta ver a resposta bastante eficiente que os Postos no exterior deram ao problema do repatriamento de brasileiros.